Benefícios Assistenciais- A importância para sociedade

4/6/20255 min read

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O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), assume papel central na proteção social brasileira, sendo expressão concreta da função assistencial do Estado contemporâneo. Sua importância ultrapassa os limites do valor monetário transferido, pois representa, em essência, o reconhecimento de que a dignidade humana exige mais do que o direito abstrato à vida: exige condições materiais mínimas para que essa vida seja vivida com liberdade, autonomia e respeito. Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, o BPC configura-se como ferramenta fundamental de combate à exclusão e à marginalização de populações vulneráveis, especialmente idosos empobrecidos e pessoas com deficiência em situação de pobreza extrema.

A assistência social, enquanto uma das expressões do tripé da seguridade social brasileira — ao lado da saúde e da previdência social —, possui natureza jurídica distinta e finalidade própria. Diferentemente do Direito Previdenciário, que exige contribuição prévia e baseia-se na lógica do seguro social, o Direito Assistencial tem como fundamento a universalidade da proteção social, o princípio da solidariedade e a garantia de mínimos sociais a quem não pode prover a própria subsistência. A Constituição Federal de 1988, ao incluir a assistência no rol dos direitos sociais e estruturá-la como política pública estatal e descentralizada, promoveu um marco civilizatório no trato das desigualdades e instituiu a lógica da proteção social não contributiva como direito e não como favor.

O BPC traduz, de forma clara, essa mudança paradigmática. Seu alcance está direcionado a dois públicos específicos: a pessoa idosa com 65 anos ou mais e a pessoa com deficiência de qualquer idade, desde que comprovem situação de miserabilidade, caracterizada por renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo vigente. No caso da deficiência, exige-se também a demonstração de impedimentos de longo prazo que dificultem a plena participação social em igualdade de condições com as demais pessoas. Trata-se, portanto, de um benefício que reconhece o impacto das desigualdades na vida cotidiana de grupos vulnerabilizados e busca assegurar uma renda mínima capaz de viabilizar sua sobrevivência com dignidade.

A relevância do BPC no ordenamento jurídico brasileiro está intimamente ligada à sua função de ponte entre o Direito Assistencial e o Direito Previdenciário. Ainda que distintos na origem e na forma de custeio, ambos pertencem ao sistema maior da seguridade social e compartilham o objetivo comum de garantir proteção contra riscos sociais. O BPC, nesse sentido, aparece como “o último bastião” de proteção estatal àqueles que não conseguiram acessar a previdência formal, seja por não terem contribuído, seja por não cumprirem os requisitos exigidos para a concessão de aposentadoria ou pensão. Ele complementa as lacunas deixadas pelo sistema contributivo, operando como uma rede de segurança voltada àqueles que, por suas condições de vida, estão estruturalmente afastados do mercado de trabalho ou de vínculos formais.

Apesar dessa conexão estrutural com o sistema previdenciário, o BPC carrega traços próprios. Ele não exige tempo mínimo de contribuição, carência ou filiação ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Seu financiamento não decorre de contribuições diretas dos segurados, mas do orçamento da União, o que reforça seu caráter de política pública de caráter distributivo, voltada à promoção da justiça social. Por outro lado, por ser operacionalizado pelo INSS — autarquia federal gestora da previdência social —, o BPC frequentemente é confundido com benefício previdenciário, o que gera insegurança jurídica e desinformação, especialmente entre os usuários do sistema.

Do ponto de vista jurídico, é essencial compreender que a concessão do BPC não está vinculada ao vínculo laboral ou à capacidade contributiva do requerente, mas sim à constatação de sua condição de vulnerabilidade social, econômica e funcional. Essa constatação envolve critérios objetivos — como o limite de renda — e subjetivos, como a análise da condição de deficiência à luz do modelo biopsicossocial. Essa abordagem multidimensional reconhece que a deficiência não é apenas um dado clínico, mas uma realidade vivida, marcada por barreiras sociais, arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais. O reconhecimento da deficiência passa, assim, a ser um processo complexo que exige sensibilidade jurídica, técnica e humana.

O critério de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, embora previsto legalmente, tem sido objeto de críticas e flexibilizações jurisprudenciais. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 567.985, reconheceu a possibilidade de relativização desse parâmetro, admitindo que o juiz, no caso concreto, avalie outros elementos que demonstrem a real situação de miserabilidade do núcleo familiar. Essa decisão representou importante avanço na interpretação constitucional do direito à assistência social, pois rejeitou a rigidez matemática em favor de uma análise contextual, mais alinhada com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Além de seu valor jurídico, o BPC tem um impacto social profundo. Dados do IPEA e do Ministério da Cidadania indicam que milhões de pessoas sobrevivem exclusivamente com os recursos provenientes desse benefício. Em muitos lares, ele é a única fonte de renda estável, sendo utilizado para alimentação, transporte, aquisição de medicamentos, pagamento de aluguel e outras despesas básicas. A ausência de 13º salário, a impossibilidade de acumulação com aposentadorias e o fato de não gerar pensão por morte demonstram, no entanto, que ainda há importantes desafios a serem enfrentados no aprimoramento desse instituto.

No campo dos direitos fundamentais, o BPC materializa os direitos à igualdade, à assistência social e à inclusão. Ele não apenas evita o agravamento das desigualdades, como contribui para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Para a pessoa com deficiência, o benefício é muitas vezes o único instrumento que viabiliza o acesso a direitos básicos, como saúde, educação e transporte, especialmente diante da ineficiência de políticas públicas universalizadas e acessíveis. Já para os idosos em situação de extrema pobreza, o BPC assegura a possibilidade de envelhecer com um mínimo de dignidade, rompendo com a lógica de abandono e invisibilidade historicamente associada à velhice.

Do ponto de vista político-institucional, o BPC representa o compromisso do Estado brasileiro com a inclusão social e a universalização da cidadania. Sua existência reafirma que os direitos sociais são obrigações estatais, e não concessões casuísticas. O desafio atual está em garantir que sua concessão ocorra de forma célere, justa e desburocratizada, assegurando que os critérios de elegibilidade sejam interpretados à luz dos valores constitucionais e das realidades locais. É necessário, ainda, avançar na articulação entre o BPC e outras políticas públicas, como a reabilitação, a educação inclusiva e a acessibilidade urbana, para que o benefício não se limite à transferência de renda, mas atue como catalisador de cidadania e participação social.

Por fim, cabe destacar que o BPC deve ser compreendido como parte de um sistema maior de proteção e promoção de direitos. Ele não substitui a necessidade de inclusão previdenciária, nem exime o Estado de promover políticas que ampliem o acesso ao trabalho formal e à contribuição previdenciária. Sua função é garantir que, mesmo na ausência de vínculos formais, nenhuma pessoa em situação de vulnerabilidade extrema fique desamparada. Nesse sentido, o BPC não é uma falha do sistema previdenciário, mas seu complemento indispensável, um mecanismo de justiça distributiva que concretiza a promessa constitucional de uma sociedade livre, justa e solidária.